quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Crônicas de Dona Regina

depois de várias semanas sem aparecer por aqui, hoje, Dona Regina veio muito inspirada...


"De Sertões e de Veredas"
por Regina Padilha

"Todo caminho da gente é resvaloso. Mas, também, cair não prejudica demais. A gente levanta, a gente sobe, a gente volta." - Guimarães Rosa
Quando estudante de história, ao ler pela vez primeira "Grandes sertões: veredas",l embro que o amor não foi à primeira vista, foi preciso avançar, esperar um pouco, até que Riobaldo se mostrasse em toda a sua envergadura de  - personagem - homem - admirável, para que  aí sim, eu fosse capturada pela prosa  envolvente , messiânica, boa de conversa do bom mineiro de Cordisburgo,  Guimarães Rosa, que passou a ser a minha referência de literatura brasileira e me ajudou a compreender o mecanismo do idioma nacional.
Reli o livro mais umas duas vezes por inteiro e outras por trechos, colecionando anotações de tanta sabedoria, que delas me queria impregnada.
Em comum a todas estas releituras, é que o livro sempre foi emprestado das bibliotecas das escolas por onde estive. Curioso...
E só agora, quando os meus sessenta anos já estão quase aqui, agorinha mesmo, e que movida por uma inadiável vontade de ainda outra vez,   percorrer os sertões das Gerais, é que tenho um Grandes Sertões para chamar de meu, este colosso de seiscentas  páginas, onde estão armazenados tantos momentos que inspiram coragem, tenacidade, necessidade de romper com o cotidiano em busca de algo maior e  em que Riobaldo, mexe com o leitor, provoca uma onda de sentimentos,"sossega e depois desinquieta", como ele mesmo díz.
Encomendei o livro e quando ele chegou, foi como se fosse o meu primeiro e a surpresa  maravilhosa..., o livro, faz parte da ediçao especial de dez mil exemplares, da edição limitada comemorativa dos cinquenta anos de Grandes Sertões( 1956 ), acompanhado do catálogo da mostra concebida por Bia Lessa, em exposição no Museu da Língua Portuguesa( SP ), durante o ano de 2006.
O super pacote foi um presentão, livro, catálogo e CD, além de encadernação luxuosa, em tecido branco com o título bordado em letras vermelhas, absolutamente compatível ao drama ali dentro narrado e à importância da obra na minha vida de leitora incansável.
Para começar ou melhor, recomeçar, o mantra da obra:  - "Mire e veja" - ou seja mire; agora não olhe para o lado, e aí veja".
Que sabedoria, não? No nosso cotidiano, é sem conta o número de ocasiões em que olhamos de forma borrosa e desfocada e , desatentos, perdemos maravilhas e oportunidades, o que não aconteceria se  lembrássemos do mire e aí sim, veja.
Nesta releitura madura, foi tão significativo, relembrar a existência de um sertão que  é  o  mundo  e o sertão que vai dentro da gente, e que é preciso muita coragem para mergulhar neste sertão pessoal, particular, porque é levantar poeira, é mexer em vespeiro, é cutucar ferida e sabe-se lá, quantas...
Aquelas veredas das Gerais, que se alargam de um lado até Goiás e de outro até a Bahia, do prosear seguro de Guimarães Rosa, o que  elas são , na verdade, são as veredas dos nossos sentimentos, nem sempre compreendidos e pior, quase nunca admitidos e a nossa luta, vezes contra a vida, vezes contra os outros, vezes contra nós mesmos, o que a mim parece a mais difícil delas.
E assim, coração aos pulos, olhos marejados, garganta em nó, chego ao fim da releitura arrebatadora, pés fora do chão, embrenhada sertão adentro, onde percorrí veredas, ouví o pipoco dos tiros, sentí o cheiro do sangue derramado na guerra guerreada, perdí-me na saga de Riobaldo, mergulhei no verde dos olhos de Diadorim, Maria Deodorina, elazinha mesma, que em vida viveu o que parecia ser um amor impossível, mas que em verdade, era só um mal compreendido...
Aqui não vou resistir ao clichê irresistível,"um clássico da literatura"que , quando lido "para prestar vestibular",não comove nem um pouco aos leitores de cabresto, que mal conseguem ultrapassar as primeiras vinte páginas e vão rapidinho atrás do resumo mais curtinho, mas lido no outono, quando a impaciência agora é paciência, aí sim, ai meu Deus, é atrelar o cavalo baio, gibão, chapéu de couro, água no cantil, cachaça que é de muita serventia, para limpar as feridas do corpo e tontear as da alma, farinha da mais pura, bala na cartucheira e toca prá frente, meu filho, tome tenência, que corpo mole é de pouca serventia...

3 comentários:

Mi Vargas disse...

Li muitos clássicos na época da escola, não somente or obrigação... mas passei a crer, depois do texto, que relê-los em fará muito melhor!
Saudades das suas crônicas Tia!
Beijos

Jacqueline disse...

Foi a crônica mais emocionante que li em toda a minha vida...(de verdade...rsss) A sabedoria e o talento, que vem da experiência com a leitura e a escrita fazem de D. Regina uma pensadora... Marvavilhosa viagem eu fiz nesse texto! Parabéns!

Anônimo disse...

Obrigada, minhas lindas. Beijo. Regina.

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